Pedro Lyra, um dos grandes poetas do Brasil,
em Volta Redonda
em Volta Redonda
Entre o Projeto TIM Grandes Escritores, que trouxe a Volta Redonda autores consagrados como Affonso Romano de Sant'Anna, Marina Colasanti e Ignácio de Loyola, e a vinda de Pedro Lyra, em 26 de julho último, em razão da homenagem que lhe foi prestada pela PoeArt Editora, há uma lacuna de onze anos. Muito tempo, pelo fato de Volta Redonda ser uma cidade importante, próxima ao Rio de Janeiro, com faculdades, inclusive com curso de Letras. É uma pena que em nosso meio não se invista muito em projetos dessa natureza, que no fim de contas nem é tão dispendioso. Parece-nos que se desconhece a existência dessa parcela da sociedade, que é a de quem escreve e a de quem lê, a qual, embora pequena, existe e RECLAMA o seu lugar.
Sé é verdade que “poetas são lidos por
poetas”, também é verdade que, trabalhando-se no sentido de se incentivar o
hábito de leitura, quer seja por eventos como palestras com escritores, feiras
de livros, saraus, concursos, quer seja por simples projetos de leitura em sala
de aula, muito se consegue. É a partir do convívio com os livros que surge o
leitor e, consequentemente, o escritor.
Na apresentação ao livro Milênios e
outros poemas, de Ruy Espinheira Filho, publicado recentemente pela Editora
Patuá, o poeta, ensaísta e editor Alexei Bueno chama a atenção para a escassez
de público para obras literárias, quando diz, ao final do prefácio, que “Milênios
e outros poemas vem juntar-se (...) ao admirável conjunto de obra
desse que é um dos grandes poetas do Brasil, este Brasil desgraçadamente tão
surdo — e de forma crescente — a todas as belezas do espírito.” Pois é fato que
há surdez em se tratando de literatura. Poesia, então, nem se comente. Mas é
fato também que ela — a poesia — se manifesta, através de um e outro talento,
como uma das mais belas formas de arte e, ainda que pouco ouvida, tem o poder
do canto das sereias. E Pedro Lyra, desde sua estreia, com o livro Sombras,
de 1967, até a presente data, tem provado que é um desses talentos, ao lado dos
já citados poetas Alexei Bueno e Ruy Espinheira Filho,
Affonso Romano de Sant'Anna e Marina Colasanti, como também ao
lado de Astrid Cabral, Anderson Braga Horta, Antonio Miranda e tantos outros.
Foi-nos honra ouvir Pedro Lyra falar de
poesia e vida, no Teatro Gacemss, em Volta Redonda, honra tê-lo
apresentando-nos alguns de seus livros, inclusive o recém-lançado A
construção do poema.
Antônio Pena,
Volta
Redonda, 28/7/2017
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1ª foto: Da esq. para a dir., Marlene, Maria Luisa, Nikson, Pedro Lyra, Imaculada, Lucian e Antônio Pena.
2ª foto: A generosa pessoa do escritor Adahir Gonçalves, ao lado do poeta Pedro Lyra, no palco do Teatro Gacemss.
Contágio — poesia do desejo
DE PEDRO LYRA:
A VEZ PRIMEIRA
Porque chegaste assim, tão de repente,
com o esplendor das promessas de uma porta que se abre
para a liberdade
e me devolveste a poesia largada pelas noites em que te procurava sem
sequer saber se existirias;
porque me olhaste assim, tão leve e livre (e linda)
e despertaste o meu ser com a voragem sem retorno deste sorriso
incendiado de alegria;
porque me marcaste a alma
com esta voz de nuvem deslizando pelo espaço à gestação de novos
mundos
e me acendeste a carne
com o toque dessas mãos como de flor se abrindo na volúpia dos
raios
de um
novo sol;
porque chegaste assim
no momento de agonia em que a ânsia de viver se encaminhava
para
o nada
e trouxeste em cada gesto o sentido pleno da ressurreição,
por tudo isto, amiga, e pelo mais
que o teu sereno estar-aqui vela e desvela à simples anunciação da
tua presença,
é que eu me sinto reencontrar comigo a cada vez que a tua imagem
suspende o meu caminho
porque a tua exata aparição me devolveu meu próprio eu adormecido
no
percurso que me trouxe até a ti.
E, por tudo isto,
deixa-me dizer-te com a ternura dos que nada esperam:
— vai ser impossível não te amar.
Como não amar a luz
que retorna de repente, depois que o espírito afogara-se na síncope
de todos os abismos?
Mas, sobre tudo, como não amar o prodígio
que, de repente, faz retornar a luz sob a forma redentora do amor?
E é assim que eu vou te amar
assim, como a criança que abre os olhos e vê que vê pela primeira
vez
o
mundo que acaba de lhe oferecer este milagre,
esta coisa
tão simples e tão grave:
— o milagre da vida renascendo.
Meus amigos, meus inimigos,
venham juntos, cheguem, e depois de ouvirem isto, digam,
digam
a todos e a tudo:
à Terra,
onde a descubro toda vez que me procuro
e que só não me consumiu porque sabia que ela está na própria força
das transformações;
ao Mar,
onde a contacto sempre que mergulho em mim
e que só não me tragou porque sabia que ela estaria no espaço
aberto a cada onda;
ao Céu,
onde a vislumbro a cada vez que fecho os olhos
e que só não me arrebatou porque sabia que ela guarda o resgate
de todos os mistérios;
ao Inferno,
donde emergi em chamas para o seu encontro
e que me libertou porque sabia que ela depuraria o fogo em luz
com a sua simples aproximação;
a toda a Natureza,
que me fez assim e me deixou aqui, neste momento,
porque também a fez assim e a deixaria aqui, neste mesmo
momento;
digam,
digam a tudo que ainda é vivo,
a tudo que palpita na expectativa da vertigem do amor:
ao dia, e seu apelo; à noite, e seu delírio;
à tempestade, com o furor dos amores que se acabam;
à primavera, com a euforia dos amores que começam;
às minhas ex-amadas; aos ex-amantes dela;
digam, e digam claro, e digam alto
a todo o mundo
(exceto a ela)
que eu amo, que eu amo, que eu amo,
porque a imagem dela encravou-se em minhas células
e hoje é amor que circula em minhas veias,
que eu amo
eu amo
amo
e amo pela primeira vez.
— Ah, o desengano de não ser a última!
POR AMAR
Não, amiga, eu não te amo
por aquilo que geralmente leva um homem a amar uma mulher
— que desenrola o fio do universo
por uma ou duas noites de prazer (não mais)
para logo cortá-lo
depois de duas ou três vidas de suplício (não menos).
Não te amo
pelo encanto de sonho do teu rosto,
que um dia há de apagar-se esse esplendor
mesmo que permaneça na imagem da primeira vez
em que te
vi.
Não te amo
pela música de luz do teu sorriso,
que um dia há de contaminar-se da tristeza do mundo
ainda que permaneça no reflexo do momento em que
ficaste.
Não te amo
pela delícia do contato com teu corpo,
que um dia o próprio dia há de afastar
embora permaneça em minha pele o rastro de cada
um dos teus carinhos.
Nem te amo
pela doçura infinita da tua alma,
transpassada pela minha nos momentos de beleza e de alegria
que antecipavam
tua vinda.
Não, amiga: eu não te amo
por essas coisas que geralmente levam um homem
a amar uma mulher
pois tudo isso um dia há de perder-se
e então o meu amor também se perderia.
Amo-te
por amar-te, simplesmente
— nem pela certeza de ser feliz a teu lado
nem pelo receio de sofrer na tua ausência.
Amo-te
por amar,
mais simplesmente ainda,
— pelo simples amor de amar — alheio
à euforia de ter-te sempre como agora