domingo, 11 de fevereiro de 2024

 ALEXEI BUENO E SUA POESIA (II)[1]

 O lirismo arrebatador de Alexei Bueno é um desses casos de singularidade constatados em pouquíssimos poetas, como, por exemplo, em Mário de Andrade, a partir de Pauliceia desvairada, em Vinicius de Moraes, principalmente o de Forma e exegeseAriana, a mulher e Poemas, sonetos e baladas, em Fernando Pessoa e seus heterônimos, em Carlos Drummond de Andrade ao longo de sua vasta obra, em João Cabral de Melo Neto e em Ferreira Gullar, e, ainda, em Affonso Romano de Sant’Anna, Renata Pallottini e Adélia Prado, para citar alguns nomes mais recentes. Em todos esses autores o que há de comum é o discurso autêntico, refinado e, ainda que, às vezes, enigmático, sempre contagiante. Artífices desse quilate têm de sobra aquilo de que mais se precisa em poesia: expansividade, com o que conseguem prender de fato a atenção do leitor afeito ao gênero, ficando muitos de seus textos perpetuados na história da literatura, bastando lembrar, a título de curiosidade, o famosíssimo “Soneto de fidelidade”, do “Poetinha”, cuja presença em livros didáticos e antologias e cuja recitação, feita pelo próprio poeta, no meio da canção “Eu sei que vou te amar”, também de sua autoria, o popularizariam como raros, raríssimos poemas em língua portuguesa. E assim, pela presença em livros didáticos e antologias, “Autopsicografia”, de Pessoa, e, assim, do vate de Itabira, o verso: “E agora, José?”, tornado “expressão corrente da língua”, como observa Júlio Castañon Guimarães, no posfácio ao livro José, editado pela Companhia das Letras, e, assim, pela mesma razão, sem exagero, quase todos os textos do livro Dentro da noite veloz, de Ferreira Gullar. Mas voltemos ao poeta em questão. Aos que o não conhecem e à sua poesia, Alexei Bueno publica em 1984, aos vinte e um anos de idade, seu primeiro livro: As escadas da torre, todo ele vazado em versos rigorosamente medidos e de rimas perfeitas, algo incomum, então, ao público da poesia, bem como aos que se dedicam à crítica e/ou à criação dessa categoria literária. Grande variedade de ritmos e musicalidade, alcançada pelo emprego de algumas figuras de retórica, sobretudo a aliteração, vestindo de forma plena a ideia que o autor quer transmitir, sua visão do mundo, da vida e dos seres com um realismo cru, o mais das vezes sarcástico, são o que se verifica ao longo das quase 300 páginas da obra, onde o soneto se destaca. Em 1985, vêm a lume os Poemas gregos, nos quais se expressa, pode-se resumidamente assim dizer, um eu lírico atual, conquanto dentro de moldes categoricamente de sabor clássico: estrofes brancas, inversões e referências a seres da mitologia. A Poemas gregos se seguem Livro de haicais e A decomposição de J. S. Bach, ambos de 1989. Enquanto aquele reverencia a consagrada expressão poética japonesa sintetizada em três versos, de 5, 7 e 5 sílabas métricas, respectivamente, em que a contemplação, a imagem predominam (Ao tocar na água,/ A inversa imagem das árvores/ Tirita de frio.), A decomposição de J. S. Bach, por sua vez, é um denso poema em dez partes, enumeradas, cujas linhas assimétricas, caudalosas, reportando-nos a Álvaro de Campos, Walt Whitman, sugerem até que ponto pode um grande artífice se desdobrar, casando tão bem técnica e dom. A partir daí, elegerá o poeta os modelos de forma fixa explorados em seu trabalho de estreia, os quais, já enxutos e depurados, evidentemente, se perpetuarão através de, sem exagero, verdadeiras obras-primas, constantes de coletâneas como Lucernário (1993), Em sonho (1999), A árvore seca (2006), etc., que, alternadas com textos à feição de A decomposição de J. S. Bach, isto é, torrenciais, segmentados, compreendendo integralmente o volume a que dão título (modelo que também jamais abandonará), lhe garantirão lugar entre os maiores nomes da poesia brasileira da atualidade. 

 



[1] Prosa e verso XXII, coletânea anual do Grêmio Barra-mansense de Letras.

 

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