CAROLINA RAMOS — FIGURA NOTÁVEL[1]
Poetisa, prosadora, artista plástica, a santista Carolina Ramos é, sem dúvida alguma, uma figura notável. Sendo autora de mais de vinte livros, entre ficção (Interlúdio, Feliz Natal, etc.), biografia (Rui Ribeiro Couto — vida e obra, Príncipe da trova, Saga de uma vida, etc.) e poesia (Sempre, Cantigas feitas de sonhos, Trovas que cantam por mim, etc.), deixa, sempre, em tudo quanto escreve, a sua digital, caracterizada por uma sensibilidade à flor da pele, de modo que, como há, evidentemente, muito de biográfico em sua poesia, há, também, muito lirismo em sua prosa, quer nos contos, quer nas biografias. Minha admiração pelo seu trabalho, entretanto, surgiria a partir de um gênero poético surpreendentemente simples: a trova. E aqui cabem parênteses. Parte de minha infância e juventude, passei-a em minha terra natal, a pacata cidade mineira de Santa Rita de Jacutinga. Eram os anos 1970, em que se gastava o tempo de criança e adolescente era com brincadeiras de rua, banhos de rio, televisão e — muito pouco, é verdade — leitura de livros paradidáticos, sobretudo os da série Vaga-lume, da Editora Ática, fornecidos pela escola, como forma de atividade para casa e de aprimoramento cognitivo (Menino de asas, de Homero Homem; A ilha perdida, de Maria José Dupré, O escaravelho do diabo, de Lúcia Machado de Almeida, são alguns exemplos). Lembra-me que em casa havia poucos livros, entre os quais, um, de fábulas de La Fontaine, outro, de nome sugestivo: As mais belas de histórias, que trazia também belos textos em verso. A Bíblia, furtava-a ocasionalmente de meu avô, deliciando-me, mais de uma vez, com a força, a paixão e o destino de Sansão. O que talvez viria a despertar em mim o gosto pela leitura, mais precisamente pela poesia, contudo, seriam o jornal Lar Católico e a revista Mensageiro do Coração de Jesus, esta assinada por minha mãe e aquele por meu avô. É que ambos, além de aforismos e trovas conceituosas (em que sobressaía o nome de um padre — Héber Salvador de Lima), traziam também magníficos poemas, ensaios e artigos. Quando de minha mudança para Volta Redonda, já no início da década de 1980, ficaria certo tempo indiferente à leitura de livros, fossem do gênero que fossem, até que, por algum motivo de que não me lembro, aos dezessete anos, adquiri, em uma livraria perto da escola em que estudava, a obra Antologia poética, de Vinicius de Moraes, apaixonando-me pela poesia. A partir de então leria, de grandes poetas, como Gonçalves Dias, Guilherme de Almeida e Castro Alves, seletas ou o conjunto da obra, agora da coleção Prestígio, da Ediouro. Rabiscava por esse tempo meus primeiros versos e, conquanto fosse um poeta principiante, para não dizer mau poeta, tinha lá meus conceitos sobre algumas categorias de poemas, sobretudo os de forma fixa, como o soneto e a trova. Se aquele me instigava, por considerá-lo surpreendentemente desafiador, a trova, ao contrário, era por mim desprezada. Achava-a mesmo arte menor. Estrofe solta, em heptassílabos fáceis, com rimas quase sempre simples e pobres. De modo que, por quase três décadas, renegaria tal modelo de poesia. Até que, casualmente, em casa de uma amiga, distraído a ler as lombadas dos livros de sua estante, deparei com o volume Gotas de luz, do médium Francisco Cândido Xavier, todo ele de trovas, atribuídas ao espírito de Casimiro Cunha. Peguei-o, folheei-o e acabei por levá-lo para casa. Contendo máximas e provérbios, as quadras ali reunidas me pareceram dignas de louvor. O pequenino poema afinal me tocara. Lembrando-me de quando, em minha infância e pré-adolescência, me debruçava sobre Héber Salvador de Lima, o padre trovador, adquiriria, através da internet, opúsculos seus de cantigas, tais como Uma rosa me disse, A valsa das flores, Reflexos. E, com grande desejo, então, de aprofundar-me no gênero, as Trovas populares brasileiras (Livraria Francisco Alves — 1919), organizadas por Afrânio Peixoto, Parêmias (A Editora — 1910), de Soares Bulcão, e, mesmo, uma ou outra coletânea de poesias psicografadas por Chico Xavier, vindo, por fim, a conhecer a história da trova no Brasil e seus grandes divulgadores: Adelmar Tavares, Luiz Otávio e Aparício Fernandes. Reconheço o admirável trabalho sobretudo deste último, que conseguiu a façanha de publicar obras relevantes, como Nossas trovas (Companhia Brasileira de Artes Gráficas — 1973), com 444 páginas, 7200 quadrinhas, contemplando 72 trovadores, Trovadores do Brasil (Minerva — volumes 1, 2 e 3, 1966, 1967 e 1970 respectivamente), e, ainda, de declamar trovas, suas e alheias, na rádio e, se não me engano, na TV. Nos anos 1960 e 70, a poesia tinha espaço nesses dois veículos de comunicação — rádio e TV, atingindo os poetas maior alcance de público. Com o advento da internet, têm surgido, sem dúvida alguma, muitos e bons veículos de divulgação da poesia e seus autores — como os blogs e sites, mas a arte da palavra escrita, sobretudo a poesia, foi por quase quatro décadas, fatidicamente, boicotada pela grande mídia, o que lhe causou danos, como a perda gradativa de seu prestígio junto o leitor comum, algo difícil de se recuperar num estalar de dedos.
Mas voltemos à poetisa — mais especificamente à trovadora — Carolina Ramos. Em minha incursão pelo universo da trova, acabei por conhecer seu trabalho no gênero, tornando-me um seu admirador. Recordo que, não faz muito, folheando algumas coletâneas e antologias publicadas entre os anos de 1970 e início da década de 80, época áurea da trova no Brasil, curtia ver fotos suas, entre outros grandes trovadores, ou descontraidamente, à frente de um hotel, ou recebendo títulos, homenagens e prêmios, ou, ainda, sendo agraciada com uma medalha de mérito cultural, como a de “Magnífica Trovadora”, que conquistou em 1973, em Nova Friburgo, por conta das seguintes trovas:
“Angústia, imensa, dorida,
pior que a dor de morrer,
é não ter apego à vida
e ser forçado a viver...”
(Nova Friburgo, 1971 - 10º lugar)
“Sempre acolho de mãos postas
e humilde tento aceitar
o silêncio das respostas
que a vida não sabe dar.”
(Nova Friburgo, 1972 - 8º lugar)
“Mãos tristes, temendo ausências,
se despedem com revolta...
— Nosso adeus tem reticências
que acenam gritando: — Volta!”
(Nova Friburgo, 1973 -1º lugar)
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Como é fútil e tamanha
a soberba dos ateus…
Seixos ao pé da montanha,
negando a montanha – Deus!
***
Ante os dilemas da vida,
embora ilusões destrua,
à mentira bem vestida,
prefiro a verdade nua!
***
Sussurrando com ternura,
prova a fonte, sem revolta,
como é possível ser pura,
mesmo tendo lama em volta!
***
Por te amar, tenho sofrido,
mas não me arrependo: Vem!
— Quem ama as rosas, querido,
ama os espinhos também!
***
são folhas que o vento arrasta...
Talvez uma só recolhas,
Uma só... e é o quanto basta!
pasmam os colibris e se extasia
a noite que a abrilhanta com seu pranto!
ansiando pelo espaço, no mais santo
desejo de ser pura. A fantasia
lhe esmera a forma e lhe colore o manto.
reclusa no seu páramo selvagem,
guarda o fascínio e a sedução de um mito!
retrata a orquídea a mais perfeita imagem
da alma utópica e lírica do poeta!
[1] Matéria constante da XIII coletânea século XXI.
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